quinta-feira, 31 de janeiro de 2013





(…)
A PAZ é uma pomba que voa.
É um casal de namorados.
São os pardais de Lisboa
que fazem ninho nos telhados.
 
E é o riacho de mansinho
que saltita nas pedras morenas
e toda calma do caminho
com árvores altas e serenas.
 
A paz é o livro que ensina.
É uma vela em alto mar
e é o cabelo da menina
que o vento conseguiu soltar.
 
E é o trabalho, o pão, a mesa,
a seara de trigo ou de milho,
e perto da lâmpada acesa
a mãe que embala seu filho.
 
A paz é quando um canhão
muito feio e de poucas falas,
sente bater um coração
e dispara cravos, em vez de balas.
 
E é o abraço que dás
no dia em que tu partires,
e as gotas de chuva da paz
no balanço do arco-íris.
(…)
Sidónio Muralha, Todas as Cidades da Terra, Livros horizonte

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013


Ler um livro pela primeira vez é conhecer um novo amigo. Ler um livro pela segunda vez é encontrar um velho amigo. (ditado chinês)

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013


Texto de Valter Hugo Mãe

 Os professores

       Achei por muito tempo que ia ser professor. Tinha pensado em livros a vida inteira, era-me imperiosa a dedicação a aprender e não guardava dúvidas acerca da importância de ensinar. Lembrava-me de alguns professores como se fossem família ou amores proibidos. Tive uma professora tão bonita e simpática que me serviu de padrão de felicidade absoluta ao menos entre os meus treze e os quinze anos de idade. A escola, como mundo completo, podia ser esse lugar perfeito ... Ver mais de liberdade intelectual, de liberdade superior, onde cada indivíduo se vota a encontrar o seu mais genuíno, honesto, caminho. Os professores são quem ainda pode, por delicado e precioso ofício, tornar-se o caminho das pedras na porcaria de mundo em que o mundo se tem vindo a tornar. Nunca tive exatamente de ensinar ninguém. Orientei uns cursos breves, a muito custo, e tento explicar umas clarividências ao cão que tenho há umas semanas. Sinto-me sempre mais afetivo do que efetivo na passagem do testemunho. Quero muito que o Freud, o meu cão, entenda que estabeleço regras para que tenhamos uma vida melhor, mas não suporto a tristeza dele quando lhe ralho ou o fecho meia hora na marquise. Sei perfeitamente que não tenho pedagogia, não estudei didática, não sou senão um tipo intuitivo e atabalhoado. Mas sei, e disso não tenho dúvida, que há quem saiba transmitir conhecimentos e que transmitir conhecimentos é como criar de novo aquele que os recebe. Os alunos nascem diante dos professores, uma e outra vez. Surgem de dentro de si mesmos a partir do entusiasmo e das palavras dos professores que os transformam em melhores versões. Quantas vezes me senti outro depois de uma aula brilhante. Punha-me a caminho de casa como se tivesse crescido um palmo inteiro durante cinquenta minutos. Como se fosse muito mais gente. Cheio de um orgulho comovido por haver tantos assuntos incríveis para se discutir e por merecer que alguém os discutisse comigo. Houve um dia, numa aula de história do sétimo ano, em que falámos das estátuas da Roma antiga. Respondi à professora, uma gorduchinha toda contente e que me deixava contente também, que eram os olhos que induziam a sensação de vida às figuras de pedra. A senhora regozijou. Disse que eu estava muito certo. Iluminei-me todo, não por ter sido o mais rápido a descortinar aquela solução, mas porque tínhamos visto imagens das estátuas mais deslumbrantes do mundo e eu estava esmagado de beleza. Quando me elogiou a resposta, a minha professora contente apenas me premiou a maravilha que era, na verdade, a capacidade de induzir maravilha que ela própria tinha. Estávamos, naquela sala de aula, ao menos nós os dois, felizes. Profundamente felizes. Talvez estas coisas só tenham uma importância nostálgica do tempo da meninice, mas é verdade que quando estive em Florença me doíam os olhos diante das estátuas que vira em reproduções no sétimo ano da escola. E o meu coração galopava como se estivesse a cumprir uma sedução antiga, um amor que começara muito antigamente, se não inteiramente criado por uma professora, sem dúvida que potenciado e acarinhado por uma professora. Todo o amor que nos oferecem ou potenciam é a mais preciosa dádiva possível. Dá -me isto agora porque me ando a convencer de que temos um governo que odeia o seu próprio povo. E porque me parece que perseguir e tomar os professores como má gente é destruir a nossa própria casa. Os professores são extensões óbvias dos pais, dos encarregados pela educação de algum miúdo, e massacrá-los é como pedir que não sejam capazes de cuidar da maravilha que é a meninice dos nossos miúdos. É como pedir que abdiquem de melhorar os nossos miúdos, que é pior do que nos arrancarem telhas da casa, é pior do que perder a casa, é pior do que comer apenas sopa todos os dias. Estragar os nossos miúdos é o fim do mundo. Estragar os professores, e as escolas, que são fundamentais para melhorarem os nossos miúdos, é o fim do mundo. Nas escolas reside a esperança toda de que, um dia, o mundo seja um condomínio de gente bem formada, apaziguada com a sua condição mortal mas esforçada para se transcender no alcance da felicidade. E a felicidade, disso já sabemos todos, não é individual. É obrigatoriamente uma conquista para um coletivo. Porque sozinhos por natureza andam os destituídos de afeto. As escolas não podem ser transformadas em lugares de guerra. Os professores não podem ser reduzidos a burocratas e não são elásticos. Não é indiferente ensinar vinte ou trinta pessoas ao mesmo tempo. Os alunos não podem abdicar da maravilha nem do entusiasmo do conhecimento. E um país que forma os seus cidadãos e depois os exporta sem piedade e por qualquer preço é um país que enlouqueceu. Um país que não se ocupa com a delicada tarefa de educar, não serve para nada. Está a suicidar-se. Odeia e odeia-se.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013




FOMOS AO TEATRO


Hoje, os alunos dos 8º e 9º anos da nossa escola, assim como os da escola D. Paio Peres Correia e do Colégio Bernardette Romeira, tiveram a oportunidade de assistir às peças de teatro “Falar Verdade a Mentir” de Almeida Garrett e o “Auto da Barca do Inferno” de Gil Vicente. A representação teve lugar no cineteatro António Pinheiro, tendo havido duas sessões (de manhã para as turmas do 8ºano e de tarde para as turmas do 9º ano). Foi uma excelente oportunidade para os nossos jovens aprenderem como um texto dramático se transforma em texto teatral e poderem apreciar o trabalho sempre admirável dos nossos atores portugueses.

domingo, 13 de janeiro de 2013



DEFINIÇÕES PARA A MUDANÇA

Bom professor - «Um dos problemas básicos das Ciências da Educação foi querer transformar o ato de ensinar em ciência, padronizando tudo. A maneira de ensinar História tornou-se semelhante à de ensinar Português, Física… As funções cognitivas e intelectuais que a História desenvolve não têm que se reproduzir noutra disciplina. Um bom professor vai à procura dos lugares-comuns da História: do rei que gostava de comer, dos amores deste com aquele… A sala de aula deve ser mais ou menos como um palco, onde a palavra do professor tem que ser vital. As últimas décadas de ensino, centradas no aluno, mataram a autoconfiança dos professores na palavra. É preciso repensar a formação dos professores neste sentido. Infelizmente, quando um professor sai da faculdade, logo no início de carreira, alguém decide se ele é bom ou mau. Mas um mau professor no início da carreira pode ser ótimo no fim, e o inverso também pode acontecer. A ideia de avaliar professores é errada. Um professor constrói-se ao longo de uma vida.»

Bom aluno - «Criámos a ideia de que o aluno que está sempre a participar é um bom aluno, mas, na verdade, é-o quem está intelectualmente ativo, o que muitas vezes só se manifesta a prazo. Mais do que com o professor, o bom aluno deve mostrar empatia com o conhecimento. Durante mais de uma geração tivemos uma ditadura que impôs o silêncio. Gostava que pensássemos na possibilidade de democratizar o silêncio. (…) Essa democratização tem de vir de uma adesão voluntária da sociedade. Era fundamental para se repensar a própria ideia de escola. A escola carece de silêncio.»

Gabriel Mithá Ribeiro (em entrevista a Francisca Cunha Rêgo).
“O presente da História”. JL – Jornal de Letras (supl. “JL – Educação”, pg. 2): nº 1103, 09.Janeiro.2013.




quinta-feira, 10 de janeiro de 2013



VALTER HUGO MÃE…UMA ESCRITA A LEMBRAR SARAMAGO







A Máquina de Fazer Espanhóis foi este ano o vencedor da categoria de romance da 10ª edição do Prémio Portugal Telecom de Literatura em Língua Portuguesa e o seu autor o vencedor do Grande Prémio Portugal Telecom, um dos mais importantes da literatura escrita em português.
O romance é o 4º volume de uma série composta por O Nosso Reino (2004), O Remorso de Baltazar Serapião (2006, vencedor do Prémio Saramago) e O Apocalipse dos Trabalhadores (2008).

“Valter Hugo Mãe, o homem das minúsculas, escreveu um dos melhores livros que já li. Para já considerei-o o meu "livro do ano". Confesso que não foi fácil começar a lê-lo, porque a falta de maiúsculas fez-me mais falta do que estava à espera. Foi a falta de maiúsculas e a falta de parágrafos. Que raio de mania esta dos escritores se promoverem pela diferença na forma da escrita! Não me lixem, por muito que todas as vírgulas estejam no lugar certo, há várias regras da gramática portuguesa completamente ignoradas. Mas,como li algures, a língua avança pela pena dos escritores e não através de acordos políticos. Por isso talvez o futuro seja esta forma de escrever. Afinal o Valter Hugo Mãe só foi pioneiro na questão das minúsculas, o resto faz lembrar Saramago.
Mas, depois de me ter habituado à falta do raio das maiúsculas e dos parágrafos, fiquei rendida a este livro. Pelo que sei, o autor escreveu quatro livros, cada um dedicado a uma fase da vida do ser humano. Comecei pelo fim, por este livro dedicado à terceira, à última idade. Não me fizeram falta os outros (mas vou lê-los, certamente) pela história de António Silva (um dos Silvas) na feliz idade, um lar de idosos, para onde foi "obrigado" a ir depois do fatídico dia que lhe mudou a vida para sempre. Lá, na feliz idade, a história já não é só dele, mas também do Anísio, especialista em arte antiga, do outro Silva que se mudou para lá antes da idade certa e de livre vontade, do Esteves sem metafísica - esse mesmo, o do Fernando Pessoa, do Pereira e de tantos outros. Do Américo, que dedica a vida aos velhos.
Como será sobreviver sem Amor? Sobreviver à pessoa Amada? A beleza de um sentimento transforma-se, numa fração de segundo, numa maldição. De um momento para o outro o que nos mantinha ancorados à vida é o que nos arrasta para a morte. Melhor seria que morrêssemos juntos, de mãos dadas. Como viver cada dia depois disso, com os filhos que os abandonam num lar? Como fazê-los compreender que não é justo, que a velhice acontece-nos, não a escolhemos? Como evitar pôr num lar os nossos pais, quando não temos condições nem tempo para eles? Como explicar-lhes essa decisão?”

Patrícia, in Ler por aí


quarta-feira, 9 de janeiro de 2013




Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...
Cecília Meireles

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

 

RECEITA DE ANO NOVO
 
Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanhe ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
 
Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
 
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
Carlos Drummond de Andrade