terça-feira, 28 de maio de 2013

 
Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas ...
 Que já têm a forma do nosso corpo ...
 E esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos
 mesmos lugares ...
 
É o tempo da travessia ...
 E se não ousarmos fazê-la ...
 Teremos ficado ... para sempre ...
 À margem de nós mesmos...
Fernando Pessoa




 


 
Labirinto ou não Foi Nada

Talvez houvesse uma flor

aberta na tua mão.

Podia ter sido amor,

e foi apenas traição.

 

É tão negro o labirinto

que vai dar à tua rua ...

Ai de mim, que nem pressinto

a cor dos ombros da Lua!

 

Talvez houvesse a passagem

de uma estrela no teu rosto.

Era quase uma viagem:

foi apenas um desgosto.

 

É tão negro o labirinto

que vai dar à tua rua...

Só o fantasma do instinto

na cinza do céu flutua.

 

Tens agora a mão fechada;

no rosto, nenhum fulgor.

Não foi nada, não foi nada:

podia ter sido amor.

 

David Mourão-Ferreira, in "À Guitarra e à Viola"

 


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