quarta-feira, 15 de maio de 2013

 
O Elefante

Fabrico um elefante

 de meus poucos recursos.

 Um tanto de madeira

 tirado a velhos móveis

 talvez lhe dê apoio.

 E o encha de algodão,

 de paina, de doçura.

 A cola vai fixar

 suas orelhas pensas.

 A tromba se enovela,

 e é a parte mais feliz

 da sua arquitetura.

 Mas há também as presas,

 dessa matéria pura

 que não sei figurar.

 Tão alva essa riqueza

 a espojar-se nos circos

 sem perda ou corrupção.

 E há por fim os olhos,

 onde se deposita

 a parte do elefante

 mais fluida e permanente,

 alheia a toda fraude.

 Eis meu pobre elefante

 pronto para sair

 à procura de amigos

 num mundo enfastiado

 que já não crê nos bichos

 e duvida das coisas.

 Ei-lo, massa imponente

 e frágil, que se abana

 e move lentamente

 a pele costurada

 onde há flores de pano

 e nuvens, alusões

 a um mundo mais poético

 onde o amor reagrupa as formas naturais.

 

Vai o meu elefante

 pela rua povoada,

 mas não o querem ver

 nem mesmo para rir

 da cauda que ameaça

 deixá-lo ir sozinho.

 É todo graça, embora

 as pernas não ajudem

 e seu ventre balofo

 se arrisque a desabar

 ao mais leve empurrão.

 Mostra com elegância

 sua mínima vida,

 e não há na cidade

 alma que se disponha

 a recolher em si

 desse corpo sensível

 a fugitiva imagem,

 o passo desastrado

 mas faminto e tocante.

 

Mas faminto de seres

 e situações patéticas,

 de encontros ao luar

 no mais profundo oceano,

 sob a raiz das árvores

 ou no seio das conchas,

 de luzes que não cegam

 e brilham através

 dos troncos mais espessos.

 Esse passo que vai

 sem esmagar as plantas

 no campo de batalha,

 à procura de sítios,

 segredos, episódios

 não contados em livro,

 de que apenas o vento,

 as folhas, a formiga

 reconhecem o talhe,

 mas que os homens ignoram,

 pois só ousam mostrar-se

 sob a paz das cortinas

 à pálpebra cerrada.

 

E já tarde da noite

 volta meu elefante,

 mas volta fatigado,

 e as patas vacilantes

 se desmancham no pó.

 Ele não encontrou

 o de que carecia,

 o de que carecemos,

 eu e meu elefante,

 em que amo disfarçar-me.

 Exausto de pesquisa.

 

Carlos Drummond de Andrade

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