quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Mia não é uma mulher, professora?
     Mia Couto é o escritor dos neologismos. Inventa palavras como ninguém. Histórias da terra. E dos homens que nada têm. Talvez tenham sonhos e sofrimento. As palavras criadas por Mia só cabem nos seus livros. São feitas por ele e para ele. Nós temos o privilégio de as ler. Se as soubermos sentir chegamos ao céu. E é por causa do céu, da nuvem e da chuva que eu escolhi este texto do Emílio (Mia) Leite Couto, escritor moçambicano, “fazedor” único da palavra, para comentar e mostrar aos meus alunos o que é um texto literário.

 
         Pingo e Vírgula
“ Os deuses pilavam as nuvens cínzeas e a água se amedoinhava, grão a gota. Depois, se despenhava, desamparada. Água a sul, águia azul. E a terra, aos seus primeiros toques, soltava o seu feminino perfume. Mas o namoro é breve. A água é amante incerta e vagueia sua eterna indecisão entre duas residências: o chão e o céu. Tímidos dedos roçam a vidraça. É a chuvinha, tão leve, tão menina que só pode tombar por lapso do céu. Parto prematuro da nuvem, a chuva não cria poça, nem deixa descendência. Extingue-se, sorvida sem vestígio. E a areia nem se mexe. O aguaceiro foi só cócega na imensa pele do mundo.”
 (…)                                                                                       Mia Couto, Cronicando
Não. Mia não é uma mulher. Mia é a poesia, é a prosa que condensa, transforma, embeleza a mulher, o homem, a terra, o mar, a pedra, a tristeza e a solidão. Também fala de coisas boas. No seu romance Jesusalém, ele diz “A vida é demasiado preciosa para ser esbanjada num mundo desencantado”.                        
                                                                    Guilhermina Reis

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