Sou
uma cinéfila que, sempre que o tempo o permite, dá uma escapadela até ao
cinema. A decisão de entrar numa sala de cinema depende dos atores, do
argumento, do realizador e também (provavelmente não deve ser muito comum, mas
em mim é) do título do filme. Por incrível que pareça, quando leio títulos como
“ Velocidade perigosa”, “Missão de alto risco” e outros afins fico desconfiada
e cheira-me a “americanice” descartável. Hoje tive o privilégio de assistir
mais uma vez a uma interpretação extraordinária da atriz Meryl Streep no filme A Dama
de Ferro.
Pode-se
pensar muito facilmente que se trata de um filme biográfico, que exalta a mulher
que comandou o Reino Unido com "mão de ferro" por mais de
uma década e está lá, ainda viva, em Londres. Margaret Thatcher, figura política
controversa, foi amada e odiada pelas decisões polémicas que tomou ao longo da
sua carreira política.
Mas o lado histórico e político nesta
trama tem um protagonismo relativo. Não interessa muito saber como foram os
seus anos de governação. O filme não é sobre o thatcherismo. É sobre uma mulher e a sua personalidade.
Acima de tudo é uma história sobre a solidão, a velhice e a demência. Thatcher
sofre de Alzheimer e é apresentada física e mentalmente debilitada. Num
processo de analepse, o filme conta três dias da vida desta mulher, com
histórias paralelas, usando até ao fim a técnica de flashback. São histórias que ela recorda desde os tempos em que
trabalhava na mercearia do pai até ao momento em que se torna a primeira mulher
a governar o seu país. É um filme tocante porque se Thatcher é ainda vista
politicamente por alguns como vilã, o filme humaniza-a. A fragilidade provocada
pela doença torna-a vulnerável. A dama já não é de ferro e isso leva a que
sintamos alguma empatia pela figura.
O
filme também levanta a questão da condição humana: passamos do tudo ao nada. Quem ocupa a cadeira do poder
facilmente a perde. E paira no ar a pergunta: valerá a pena? O poder e a fragilidade são extremos que se tocam. Recordo-me de uma
cena do filme quando o marido de Margaret Thatcher a acusa de que o que a move
não são os ideais, mas a ambição. Aliás, a relação do casal é pautada pela
ausência afetiva dela e pela paciência dele. Recordo-me das palavras dela quando
diz que “existem demasiados sentimentos. São necessários pensamentos e ideias.
Mais do que sentimentos.” Na minha opinião, é este lado do poder que é assustador.
No
entanto, é na solidão e na doença que ela recorda, conversa e interage com o
marido já falecido. A maior parte das cenas apresenta uma Thatcher de olhar
profundo, perdido, impotente diante do estado atual de saúde, longe do perfil
de mulher poderosa e implacável que foi durante quase onze anos. Nas horas de lazer, adorava ver O
Rei e Eu, musical de 1956 dirigido por Walter Lang, que narrava a
história de uma impetuosa jovem e a sua relação com um rei. Nos seus delírios
solitários, o marido está sempre ao lado dela e dançam ao som de uma dessas músicas. Procura
de uma felicidade perdida e que não foi aproveitada?... (Quando estava a ver o filme escrevi…às escuras…o
nome da canção - “Shall we dance”- para
a encontrar no youtube, mas a qualidade do som não é a melhor).
Os diálogos da personagem são muito esclarecedores quanto àquilo que ela pretende fazer da sua existência: não quer passar a sua vida a lavar chávenas de chá. Ela quer mais.
Os diálogos da personagem são muito esclarecedores quanto àquilo que ela pretende fazer da sua existência: não quer passar a sua vida a lavar chávenas de chá. Ela quer mais.
Interpretação
soberba de Meryl Streep que se confunde de tal maneira com a personagem que já
não sabemos qual é uma e qual é outra. Fez um trabalho de casa notável de
dicção, maneirismos e postura corporal. A caracterização é irrepreensível.
As críticas ao filme divergem no seu conteúdo:
o Primeiro-Ministro David Cameron alega que o filme é ” mais uma
cinebiografia sobre demência e envelhecimento que um filme sobre uma mulher
estupenda politicamente”. Eu penso que um filme que aborda um tema tão delicado
como a demência e a velhice merece todo o nosso respeito porque as
consequências e o sofrimento provocam sempre uma dor infinita tanto nos doentes
como naqueles que lhes são próximos.
Há uma
tentativa de branqueamento da imagem de Thatcher, da humanização desta figura
tão polémica?
Eu
só vejo uma história magistralmente interpretada por uma atriz que é a melhor
da sua geração. Se ela não ganhar o Óscar… quem ganhará?
Guilhermina Reis
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