domingo, 19 de fevereiro de 2012



Sou uma cinéfila que, sempre que o tempo o permite, dá uma escapadela até ao cinema. A decisão de entrar numa sala de cinema depende dos atores, do argumento, do realizador e também (provavelmente não deve ser muito comum, mas em mim é) do título do filme. Por incrível que pareça, quando leio títulos como “ Velocidade perigosa”, “Missão de alto risco” e outros afins fico desconfiada e cheira-me a “americanice” descartável. Hoje tive o privilégio de assistir mais uma vez a uma interpretação extraordinária da atriz Meryl Streep no filme A Dama de Ferro.
Pode-se pensar muito facilmente que se trata de um filme biográfico, que exalta a mulher que comandou o Reino Unido com "mão de ferro" por mais de uma década e está lá, ainda viva, em Londres. Margaret Thatcher, figura política controversa, foi amada e odiada pelas decisões polémicas que tomou ao longo da sua carreira política.
Mas o lado histórico e político nesta trama tem um protagonismo relativo. Não interessa muito saber como foram os seus anos de governação. O filme não é sobre o thatcherismo. É sobre uma mulher e a sua personalidade. Acima de tudo é uma história sobre a solidão, a velhice e a demência. Thatcher sofre de Alzheimer e é apresentada física e mentalmente debilitada. Num processo de analepse, o filme conta três dias da vida desta mulher, com histórias paralelas, usando até ao fim a técnica de flashback. São histórias que ela recorda desde os tempos em que trabalhava na mercearia do pai até ao momento em que se torna a primeira mulher a governar o seu país. É um filme tocante porque se Thatcher é ainda vista politicamente por alguns como vilã, o filme humaniza-a. A fragilidade provocada pela doença torna-a vulnerável. A dama já não é de ferro e isso leva a que sintamos alguma empatia pela figura.
O filme também levanta a questão da condição humana: passamos do tudo ao nada. Quem ocupa a cadeira do poder facilmente a perde. E paira no ar a pergunta: valerá a pena? O poder e a fragilidade são extremos que se tocam. Recordo-me de uma cena do filme quando o marido de Margaret Thatcher a acusa de que o que a move não são os ideais, mas a ambição. Aliás, a relação do casal é pautada pela ausência afetiva dela e pela paciência dele. Recordo-me das palavras dela quando diz que “existem demasiados sentimentos. São necessários pensamentos e ideias. Mais do que sentimentos.” Na minha opinião, é este lado do poder que é assustador.
No entanto, é na solidão e na doença que ela recorda, conversa e interage com o marido já falecido. A maior parte das cenas apresenta uma Thatcher de olhar profundo, perdido, impotente diante do estado atual de saúde, longe do perfil de mulher poderosa e implacável que foi durante quase onze anos. Nas horas de lazer, adorava ver O Rei e Eu, musical de 1956 dirigido por Walter Lang, que narrava a história de uma impetuosa jovem e a sua relação com um rei. Nos seus delírios solitários, o marido está sempre ao lado dela e dançam ao som de uma dessas músicas. Procura de uma felicidade perdida e que não foi aproveitada?... (Quando estava a ver o filme escrevi…às escuras…o nome da canção - “Shall we dance”-  para a encontrar no youtube, mas a qualidade do som não é a melhor). 
          Os diálogos da personagem são muito esclarecedores quanto àquilo que ela pretende fazer da sua existência:  não quer passar a sua vida a lavar chávenas de chá. Ela quer mais.
Interpretação soberba de Meryl Streep que se confunde de tal maneira com a personagem que já não sabemos qual é uma e qual é outra. Fez um trabalho de casa notável de dicção, maneirismos e postura corporal. A caracterização é irrepreensível.
             As críticas ao filme divergem no seu conteúdo: o Primeiro-Ministro David Cameron alega que o filme é ” mais uma cinebiografia sobre demência e envelhecimento que um filme sobre uma mulher estupenda politicamente”. Eu penso que um filme que aborda um tema tão delicado como a demência e a velhice merece todo o nosso respeito porque as consequências e o sofrimento provocam sempre uma dor infinita tanto nos doentes como naqueles que lhes são próximos.
Há uma tentativa de branqueamento da imagem de Thatcher, da humanização desta figura tão polémica?
Eu só vejo uma história magistralmente interpretada por uma atriz que é a melhor da sua geração. Se ela não ganhar o Óscar… quem ganhará?


                                                            Guilhermina Reis

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